Célia Schlithler é consultora e trabalha com grupalização de equipes, formação de coordenadores de grupos e de facilitadores de redes. Assessora equipes no planejamento e implementação de projetos de impacto social. Trabalhou em OSCs e segue atuando junto a coletivos, OSCs e redes porque acredita em seu papel decisivo no desenvolvimento da democracia e justiça social.
Gestão de grupos: conheça os papéis na dinâmica organizacional
Este conteúdo foi produzido por Célia Schlithler
Olá! Se você está aqui, deve ter interesse no tema “coordenação de grupos”. Por isso, sugiro que, antes de ler este texto, você acesse os outros conteúdos desta série do Portal do Impacto. Comece pelos que abordam as três estratégias necessárias para haver “grupalização”: (1) criar oportunidades para as pessoas se conhecerem melhor; (2) construir objetivos comuns a todos; e (3) facilitar a comunicação entre os integrantes.
Em meu texto anterior, sobre a coordenação democrática, prometi abordar os papéis nos grupos e explicar o que é “distância ótima”, uma atitude essencial para a coordenação. Vou começar pelos papéis, um tema que quase sempre aparece seguido de um ponto de atenção: “um de nossos problemas é que os papéis das pessoas que compõem a equipe não estão bem definidos”. E eu pergunto: são os papéis que não estão bem definidos ou as funções e atribuições? E o que dizer dos cargos? E das competências esperadas para cada cargo?
Não sou profissional especialista em políticas de RH, então não tenho tanta propriedade para explicar o significado correto de cargo, função, atribuição. Meu foco é a dinâmica grupal, embora algumas vezes as reflexões sobre os papéis na equipe desencadeiem a necessidade de criar ou rever a descrição de cargos da OSC.
O que quero compartilhar aqui é a visão de que papéis não são fixos – eles são exercidos naquele grupo e naquele contexto. Isso significa que temos de ter muito cuidado para não rotular. Você já deve ter visto coordenadores(as) de grupos que, nos primeiros contatos, sem nem conhecer as pessoas, começam a colocar “carimbos”: “Esse é agressivo, aquela vai ser chata, já aquela outra é ótima”. Quem pensa assim provavelmente não acredita que o relacionamento em grupo gera mudanças nas pessoas.
E o que contribui para uma pessoa desempenhar determinado papel em um grupo?
- Seu mundo interno (sentimentos, aprendizados, princípios e valores, jeito de ser e de comunicar-se com os outros, visão de mundo);
- A relação com a coordenação e com o(as) demais integrantes;
- O momento que o grupo está vivendo (paralisado, mudando, atuante);
- O contexto (momento organizacional, situação social, conjuntura política).
Tomemos, por exemplo, o caso de uma pessoa que esteja sendo agressiva no grupo. Tem a ver com sua personalidade, sim, mas há muitos outros fatores envolvidos. É seu papel como coordenadora ter isto em mente e estimular que a interação entre as integrantes do grupo leve a mudanças. Uma das formas é assinalar atitudes gentis e acolhedoras de outras pessoas; outra é perguntar como as demais se sentem quando aquela pessoa fala ou age daquela forma. Mas tome cuidado para não dizer a palavra “agressiva”, a não ser que outra pessoa o faça, pois essa impressão pode ser sua.
Outro ponto importante é considerar que, apesar de os papéis terem relação com o perfil individual, eles podem revelar algo que está acontecendo com o grupo. Quando isso acontece, dizemos que aquela pessoa está sendo porta-voz de um fenômeno grupal¹. Há alguns “tipos de papéis" que podem dar dicas do que está acontecendo com um grupo e que, por isso, podem ajudar na leitura do processo grupal. Vou apresentá-los abaixo:
PAPEL: Bode-expiatório
ATITUDES: Incomoda e é rejeitada pelo que fala ou faz. É questionada, criticada ou desprezada pelo grupo.
O QUE PODE REVELAR: O grupo está com dificuldade de superar algum obstáculo ou de enfrentar alguma mudança e não consegue expressar que isso está acontecendo.
PAPEL: Sabotadora
ATITUDES: Desvia o grupo daquilo que está sendo falado ou feito, mudando de assunto, fazendo brincadeiras, não cumprindo sua parte nas tarefas combinadas.
O QUE PODE REVELAR: O grupo não quer falar sobre aquele tema, não conseguiu entender o que é para fazer ou não concorda com o que foi proposto.
PAPEL: Impostora
ATITUDES: Fala por indiretas, boicota o que é combinado, porém afirma (e parece) que está querendo colaborar.
O QUE PODE REVELAR: O grupo está resistente a alguma mudança, mas não consegue perceber que isso está acontecendo.
PAPEL: Líder de mudança
ATITUDES: É conciliadora, colaborativa, propõe ações e ajuda o grupo a superar dificuldades.
O QUE PODE REVELAR: O grupo quer aprender e se desenvolver e busca apoio nas pessoas mais abertas a mudanças.
Bem, e como a gente sabe se a pessoa está sendo porta-voz de um fenômeno grupal? Observando se o grupo aceita ou não a performance do papel. Por exemplo: quando alguém muda de assunto e os demais dizem algo como: “opa, saímos do tema”, ou “vamos retomar o que estávamos fazendo”, é porque a dificuldade deve ser individual. Se o grupo entra no desvio, é provável que a pessoa esteja sendo porta-voz de alguma dificuldade grupal, ainda que a manifeste individualmente. Quando isto acontece, a facilitadora pode perguntar: “Por que será que vocês mudaram de assunto?” E, deste modo, deve ajudar os integrantes do grupo a perceberem seus próprios movimentos. Esta facilitação emancipatória gera proatividade, cooperação e multiliderança.
Para conseguir fazer isso, uma das atitudes que os(as) facilitadores(as) de grupos precisam aprender é a manter a “distância ótima”² – chegar perto o bastante dos integrantes para compreender profundamente suas necessidades, com empatia e acolhimento, e conseguir se distanciar para analisar a situação e pensar em estratégias para gerar desenvolvimento do processo grupal. Se você ficar “grudado” nos integrantes, vai passar a ser um deles, deixando de desempenhar seu papel. Mas se ficar muito longe, preso a sua visão, vai ser ignorada ou criticada e as mudanças não acontecerão. A distância ótima é esse ponto ideal: nem tão perto, nem tão longe.
Quero encerrar essa conversa dizendo que ser facilitadora de grupos é um papel que pode ser desafiador e, em muitos momentos, você pode até sentir fisicamente o peso nos ombros, a dor de cabeça, o pescoço travado, o cansaço... Por isso, peça ajuda, troque com outras pessoas que exercem a mesma função, estude. E, nos momentos difíceis, pense nas pessoas que estão mudando, aprendendo e crescendo a partir do seu trabalho. Pense nas ações transformadoras que os grupos vão conseguir implementar na organização onde você atua e em como elas vão impactar a realidade social.
Obrigada por sua atenção e até mais!
¹ Minha fonte é a Teoria dos Papeis, de Enrique Pichon-Rivière.
² Outro conceito criado por Pichon.
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