É preciso estimular a filantropia no Brasil…
Juntamente com Elie Horn, criador do Instituto Cyrela, eles formam a dupla dos grandes estimuladores da filantropia no Brasil. E, o mais importante, dão o exemplo por meio de atitudes concretas em suas vidas, procurando unir a filantropia com as suas expertises.
Na entrevista à revista, o médico chama a atenção para dois fatos importantes. Primeiro, no Brasil, comparativamente a outros países, se doa pouco (ver também: CAF – WGI, 2018). E, segundo, proporcionalmente à sua capacidade de doação, o rico no Brasil doa menos do que o pobre.
A seu ver, iniciativas como The Giving Pledge, estimuladas por Bill Gates e Warren Buffet, não conseguem mobilizar os muito ricos (bilionários) em nosso país, como nos Estados Unidos ou na França. A principal razão é o medo de expor os familiares a sequestros e assaltos, tendo em vista a falta de segurança pública em nosso país.
Outra razão é cultural, pois o brasileiro rico tem vergonha de expor o seu nome como doador, tido como “coisa de novo rico”, ou seja, de pessoa que quer aparecer como sendo rico. Como admite o médico, a abordagem deveria ser o extremo oposto: o Brasil precisa justamente é de iluminar esses bons exemplos, para estimular a filantropia nas classes mais abastadas e nas grandes empresas.
Um fator comumente alegado para o baixo nível das doações em nosso país é a dificuldade em escolher uma ONG com credibilidade, que tenha um trabalho social relevante e efetivo. Para Setúbal essa explicação é “desculpa” e não convence, pois basta “escolher (a organização) com o mesmo rigor usado para contratar o CEO de sua empresa”.
Mas, será que é mesmo possível adotarmos algum rigor na escolha da organização para a qual pretendemos contribuir, por meio das nossas doações?
Como ser rigoroso na escolha da organização para doar?
Tendo a discordar aqui do Dr. José Luiz Setúbal. No Brasil, a grande dificuldade está no acesso às informações das organizações filantrópicas: o que elas fazem? Como elas fazem? Quem elas atendem? Qual a fonte de recursos? Quais os serviços oferecidos atualmente? Quais os resultados alcançados? Qual a sua história? Quem são os dirigentes e gestores? Que tipo de contribuição elas precisam? Como contribuir?
Não se pode negar que várias dessas informações estão disponíveis com primor nos
sites de algumas poucas organizações do terceiro setor, porém a maioria dessas organizações não tem
site ou, quanto muito, um site bastante precário. Também, por outro lado e com certa frequência, recebemos ligações de telemarketing solicitando doações e apelando para a nossa compaixão frente ao sofrimento que nos é relatado.
O ponto é: não basta termos acesso às informações dessa ou daquela organização. Pois, até que ponto um site bem desenvolvido é tão somente uma peça de marketing? Ou até que ponto um pedido de ajuda por telefone é apenas mais um golpe de pilantras?
Nós, doadores, precisamos, sim, de informações das organizações filantrópicas dadas de modo confiável, comparável e abrangente. Não precisam ser muitas informações, mas poucas e relevantes – ou seja, o mínimo de informações necessárias para que os potenciais doadores comecem a trilhar na direção da organização que eles poderão vir a apadrinhar. Em outras palavras, o que precisamos inicialmente é de uma plataforma com as informações básicas de todas as organizações filantrópicas do país.
O que as organizações poderiam fazer para captar doações?
Nesse sentido, acredito que
um bom ponto de partida para as OSCs seria aproveitar a oportunidade (da existência) da plataforma do Mapa das Organizações da Sociedade Civil, coordenada pelo IPEA, que é pouco utilizada por elas e passar a intensificar o seu uso. Essa plataforma virtual já contém, para todas as OSCs brasileiras, alguns poucos dados da base CNPJ da Receita Federal (número do cnpj, endereço e área de atuação) e do antigo Ministério do Trabalho (empregos com carteira) que já foram compulsoriamente transferidos para ela. Porém, o nível de inclusão dos dados no Mapa, que é de caráter voluntário, ainda é muito baixo. A grande maioria das organizações não preenche os seus dados nesse Portal.
Daí porque a minha sugestão é a de que, fazendo uso da infraestrutura tecnológica do Portal que já existe (e é gratuita!), as organizações deveriam começar por responder aos indicadores básicos que já são solicitados no Mapa, e depois irem evoluindo para a inclusão de novos indicadores relevantes de desempenho, com o compromisso de alimentar regularmente esses indicadores.
Isso posto, em um primeiro momento - e com o Mapa das OSCs “fortalecido”, o doador recorreria a esse Portal para uma triagem inicial das organizações que atendam a seus critérios pessoais para doação – que podem ser em função da causa social, do tipo de trabalho que realizam, da localização, do tipo de contribuição que elas necessitam, do acesso às organizações, do tipo de prestação de contas, das referências aos dirigentes, dentre outros critérios.
Outra opção também para as OSCs se fazerem visíveis e detentoras de certo grau de confiabilidade – porém, incorrendo em custos para elas, seria buscarem se certificar por meio da obtenção de selos. Por exemplo, a
Certificadora Social concede alguns selos em função do atendimento a determinados critérios.
Já em um segundo momento, o doador entraria em contato direto com os representantes dessas organizações pré-selecionadas para conhecê-las de perto e, assim, poder decidir com qual delas ele vai assumir o compromisso daí para frente, de uma doação sistemática, isto é, regular e pré-definida. Ou então, fazer uma doação única e de um valor maior. Portanto, o desafio nessa fase é a organização estar estruturada, ter um bom banco de dados dos atendimentos realizados e poder ser capaz de apresentar evidências da solidez e eficácia do seu trabalho social
CONCLUINDO, para seguirmos a recomendação do Dr. José Luiz Setúbal do “rigor na escolha da ONG a apoiar”, duas pré-condições se fazem necessárias: (i) existência de uma plataforma com as informações básicas de todas as organizações filantrópicas do país; e (ii)
cada organização deve ter uma base de dados capaz de apoiar e demonstrar o que ela faz, como faz e que resultados atinge.
Infelizmente essas duas pré-condições ainda não estão dadas atualmente no Brasil – é um caminho em que precisamos avançar!
Aliás, quando fiz essa mesma reflexão por ocasião da mencionada entrevista do dr. José Luiz Setúbal à revista Veja, ele próprio
comentou que
na realidade não havia discordância
entre ele e eu, “apenas eu havia tido mais espaço para expor as minhas ideias (sobre essa questão). Pois o jornalista havia tido que colocar no papel o resumo de 3 horas de conversa, e que realmente ele havia feito um milagre....”.