Por que investir na gestão de pessoas em sua ONG
Saiba quais são os ganhos e boas práticas para gerir pessoas em sua organização.

Trabalhar por um propósito é bom, mas melhor ainda é quando fazemos isso envolvidos por um grupo de pessoas ao qual estimamos e confiamos. Esse tipo de conexão está no cerne das necessidades humanas mais antigas e são fundamentais para se criar um ambiente de suporte mútuo.
Nas organizações sociais, onde a característica do trabalho tende a ser complexo e muitas vezes exaustivo, o sentir-se parte de um grupo coeso e solidário tende a aumentar a sensação de satisfação e reduzir o nível de estresse de quem atua por uma causa.
No entanto, estabelecer um grupo de trabalho cooperativo, respeitoso e harmônico não é algo que surge naturalmente. Na maioria das vezes, o papel da liderança perpassa pela mediação, inspiração e incentivo às trocas, aprendizados e divisão de tarefas coletivas.
Para a escritora e psicóloga brasileira Maria do Carmo Nacif de Carvalho: “O relacionamento interpessoal entre o líder e os membros da equipe é um dos fatores mais relevantes na facilitação ou bloqueio de um clima de confiança, respeito e afeto, que possibilite relações de harmonia e cooperação” (CARVALHO, 2009, p. 108).
Priorizar tempo para as equipes
Trabalhando desde 2006 no Terceiro Setor, tenho percebido que apesar da palavra “cooperação” ser algo inerente ao ambiente das ONGs, se não houver priorização de tempo e espaço de conexão e vínculo entre as pessoas da equipe, as relações podem se tornar frágeis e não oferecer a perspectiva de apoio e acolhida necessárias para o fortalecimento dos mesmos, tornando o trabalho ainda mais desafiador.
Alguns aspectos que podem dificultar esse processo e que precisam ser observados com intencionalidade são:
- Falta de tempo para descompressão: Muitas organizações estão tão focadas nas atividades destinadas aos usuários, que deixam de planejar pausas necessárias como reuniões semanais ou até mensais, para trocas e compartilhamento das percepções quanto ao trabalho que está sendo realizado, assim como expressar suas dificuldades e comemorar suas conquistas.
- Conflito de interesses entre a diretoria e a equipe: Infelizmente, é comum que ao defender o posicionamento de diretores ou conselheiros que não estão tão próximos do trabalho na ponta, ou seja, do contato com o usuário e da realidade da comunidade, a liderança realizada por coordenações gerais ou técnicas não se atenham às necessidades de sua equipe.
No podcast “Impacto na Encruzilhada” de Fábio Deboni, traz questionamentos acerca destas relações e de como elas podem ser prejudiciais para as emoções dos agentes de mudança em seu episódio 142 - “Vamos falar de saúde mental”.
- Falta de formação em gestão de pessoas: A falta de habilidades específicas em gerenciamento de pessoas e processos, faz com que muitos líderes negligenciam fatores importantes como a cultura do feedback, mediação de conflitos e a condução de planos de desenvolvimento individual e profissional, não possibilitando que divergências de opiniões e posicionamento possam ser alinhadas e transformadas em aspectos fortalecedores do trabalho coletivo.
- Falta de ajuda especializada: Muitos líderes, por desenvolverem uma gestão mais centralizadora, podem ter dificuldade em pedir ajuda especializada em momentos mais complexos na organização. Seja para oferecer formações sobre assuntos como autoconhecimento e habilidades socioemocionais, como proporcionando treinamento específico sobre algum procedimento.
Defendendo a intencionalidade no investimento nas equipes, a psicóloga e Profª Drª Luciana Fonseca, afirma: “Proporcionar um ambiente favorável com relações sadias traz grandes benefícios para os gestores e, consequentemente, para as organizações. Equipes sólidas são mais fortes não só por compartilharem as vitórias, como também para dividirem os resultados negativos e buscarem as soluções que possam reverter essa situação”.
Dinheiro é necessário, mas o que importa mesmo é a qualidade de nossas relações
Essa foi uma das descobertas do pesquisador americano Robert Waldinger, professor de psiquiatria da Harvard Medical School, e que se aplica, à importância de nossas conexões no Terceiro Setor.
Waldinger é o atual diretor de um estudo que já dura mais de 85 anos, onde, acompanhando pessoas de diferentes classes sociais por várias décadas, descobriu o quanto as relações que construímos pela vida, influenciarão nossas escolhas, humor e principalmente a saúde.
Os principais dados de um estudo estão compilados no livro “A vida boa”, de 2023, e explicado no
TED Talk “Robert Waldinger: O que torna uma vida boa? Lições do mais longo estudo sobre felicidade”.
Alguns dos pontos ressaltadas no livro são que:
- O nível de satisfação com seus relacionamentos, na idade de 50 anos, foi mais importante para avaliar a saúde física do que níveis de colesterol, por exemplo. E as pessoas mais satisfeitas aos 50 anos eram as mais saudáveis aos 80.
- Indivíduos com casamentos felizes, aos 80 anos sentiam menos dores físicas.
- Aqueles que mantêm relacionamentos mais calorosos, vivem mais e com mais felicidade.
E por que um gestor deveria priorizar a conexão entre as pessoas que trabalham em sua organização?
Quando falamos em desenvolvimento sustentável, também falamos de pessoas. Falamos de como cultivar e desenvolver relacionamentos saudáveis, não só dos colaboradores como dos voluntários e doadores. Relacionamentos que se renovam com o tempo e que potencializam as ações realizadas em conjunto.
Já faz um tempo que, seguindo esse pensamento, há quem questione a utilização do termo RH - de Recursos Humanos - nas organizações, já que estamos falando de pessoas e não de recursos, como os materiais ou financeiros.
Neste processo de fortalecimentos das conexões, outros aspectos fundamentais são desenvolvidos:
- Cuidado em Saúde Mental:
Uma equipe fortalecida geralmente oferece um maior nível de suporte social. Isso inclui a troca de experiências, apoio emocional e a sensação de pertencimento. Quando os indivíduos se sentem apoiados e valorizados, experimentam menos estresse e ansiedade.
- Desenvolvimento de Confiança:
A confiança entre os membros da equipe é essencial para um ambiente de trabalho saudável. Quando há confiança, os indivíduos se sentem mais seguros para expressar suas opiniões, assumir riscos calculados e pedir ajuda quando necessário, o que pode reduzir o medo de julgamento e a pressão psicológica.
- Melhoria da Comunicação:
Em equipes bem fortalecidas, a comunicação é clara, aberta e frequente. A boa comunicação ajuda a resolver conflitos rapidamente, evita mal-entendidos e promove uma atmosfera de confiança e respeito mútuo, o que pode reduzir sentimentos de isolamento e frustração.
- Diminuição da rotatividade de colaboradores: Desfrutar de um ambiente psicologicamente seguro e agradável de se trabalhar, aumenta o desejo de permanência das pessoas em uma instituição, o que minimiza os gastos financeiros, de tempo e de energia, despendidos nos processos de recrutamento e seleção e de preparação de novos colaboradores.
Um olhar para a Pejotização
Desde 2017, a contratação de prestação de serviço por meio da emissão de nota fiscal de Pessoa Jurídica (PJ), trouxe algumas facilidades e vantagens para as organizações, como a redução de custos e encargos trabalhistas, antes gastos com a exclusiva contratação CLT de parte de seus colaboradores, mas também abriu espaço para a fragilidade de algumas relações.
Como o horário dos contratados PJ normalmente não são realizados de forma integral como os CLTs, ou seja, eles prestam serviços durante poucas horas na semana, e não tem a obrigatoriedade de participar de reuniões de planejamento ou de realizar relatórios, muitas vezes o vínculo com a equipe é superficial e até deslocado da rotina habitual da instituição.
A pejotização tem seus aspectos positivos, mas pode ser um agravante para a saúde emocional e mental deste trabalhador que, por falta de segurança financeira precisa se desdobrar em 2, 3 ou mais fontes de renda, não sentindo-se “parte” da maioria delas.
Todos comunicam a Causa da organização (frase de Naty e Phi, da S-Lab)
O cuidado com os relacionamentos e com o desenvolvimento individual e profissional dos trabalhadores das organizações é algo que precisa estar nas pautas das OSCs. E esse tratamento cuidadoso precisa vir de dentro para fora.
Naty e Phi, fundadores da S-Lab, defendem que não é só a equipe de marketing que comunica a causa da instituição, mas todos de alguma forma fazem parte dela: funcionários, PJ, voluntários e usuários.
Quando se relata para amigos, familiares ou até nas redes sociais, as experiências positivas ou negativas que se têm em seu ambiente de trabalho, se está comunicando também a seriedade e a confiabilidade com que a organização é conduzida, ou não.
A implementação de estratégias eficazes para fortalecer equipes é fundamental para maximizar seu potencial. Investir em capacitação, promover uma cultura de comunicação aberta e transparente, e incentivar a participação ativa de todos os membros são práticas que podem transformar a dinâmica interna.
A adoção dessas estratégias não só melhora a coesão e a produtividade das equipes, mas também contribui para o bem-estar e a saúde mental dos colaboradores, elementos essenciais para a sustentabilidade a longo prazo das organizações sociais.
Se você quer conhecer mais sobre a importância desse tema, conheça outros materiais publicados no Portal do Impacto:
https://www.portaldoimpacto.com/podcast-18-jean-lucy-a-importancia-de-cada-vez-mais-humanizarmos-as-equipes
https://www.portaldoimpacto.com/boas-praticas-para-engajamento-e-gestao-da-equipe-a-distancia
Referências
CARVALHO, Maria do Carmo Nacif de. Relacionamento Interpessoal: como preservar o sujeito coletivo. Rio de Janeiro: LTC, 2009.
FONSECA, Luciana. Relacionamento interpessoal e trabalho em equipe: Impactos num ambiente organizacional. [artigo] XII Congresso Nacional de Excelência em Gestão e III Inovarse - Responsabilidade Social aplicada, 2016. Disponível em:
https://cmapspublic3.ihmc.us/rid=1ZRB5DK53-B2DLR9-VHH/Text%20Relacionamentos.pdf
WALDINGER, Robert. Uma vida boa. Rio de Janeiro: Editora Sextante, 2023.
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