Ainda há muita confusão em relação às organizações sem fins lucrativos e ao que elas estão aptas a realizar. Do ponto de vista jurídico, essas organizações são classificadas como associações, fundações e organizações religiosas, constituindo o chamado terceiro setor. Popularmente conhecidas como ONGs, a Lei 13019/2014 também estabelece o conceito de OSCs (organizações da sociedade civil) para fins de parceria com a administração pública. Toda essa diversidade de conceitos, siglas e acrônimos muitas vezes causa mais confusão do que esclarecimento. O que você precisa saber é que estamos falando de organizações sem fins lucrativos e isso é o que realmente importa.
É importante reconhecer que o terceiro setor também precisa considerar a questão financeira, já que estamos num sistema capitalista. Boletos não são pagos com amor. Portanto, é crucial adotar uma abordagem mais consciente e responsável nesse setor, e, compreender que o conceito de organização sem fins lucrativos não é uma limitação, é um passo importante nessa direção.
As organizações do terceiro setor são entidades privadas que trabalham em benefício de um grupo ou causa, sem a intenção de obter lucros para seus instituidores, associados, conselheiros e colaboradores, voluntários ou não. Essas organizações, também conhecidas como ONGs/OSCs, podem ter diversas fontes para subsidiar seu funcionamento, incluindo a geração de receita, mas não podem distribuir eventual "sobra" entre seus membros. É essencial diferenciar a geração de receitas de sua distribuição e compreender que a sustentabilidade financeira é necessária para garantir o funcionamento e a realização das atividades dessas organizações.
Ao contrário das empresas, onde o que sobra é considerado “lucro” e pode ser dividido/rateado entre os sócios, a depender do arranjo societário, nas ONGs/OSCs esse excedente é chamado de superávit e não é distribuído entre os membros da organização. A Lei nº 9532/97 define uma entidade sem fins lucrativos como "aquela que não apresenta superávit em suas contas ou, caso apresente em determinado período, destina integralmente esse resultado à manutenção e ao desenvolvimento de seus objetivos sociais"(art. 12, §3º).
A diferença é que nas empresas, o que "sobra" é considerado lucro e pode ser dividido entre sócios e colaboradores, dependendo da estrutura e do tipo de negócio. No terceiro setor, esse excedente é chamado de superávit e não é distribuído entre os fundadores, associados ou colaboradores. No entanto, os recursos podem ser utilizados para o pagamento das despesas relacionadas às finalidades da organização, sejam elas relacionadas a atividades-meio ou atividades-fim.
Para alguns, isso pode parecer óbvio, mas nem sempre é. No artigo 53 do Código Civil, o termo utilizado para se referir às associações é "sem fins econômicos", o que tecnicamente não é a opção mais adequada, uma vez que essas organizações desenvolvem atividades econômicas, o que acaba gerando ainda mais confusão. No entanto, é necessário interpretar a legislação de forma sistêmica. De fato e de direito, essas organizações podem realizar atividades econômicas.
Ser uma organização sem fins lucrativos não impede a obtenção de receitas por meio de diferentes fontes, como contribuições de pessoas físicas e jurídicas, criação e administração de franquias, usufruto, dotações, subvenções, termos de colaboração, termos de fomento, convênios firmados com entidades públicas e privadas, rendas provenientes de imóveis próprios ou de terceiros, rendimentos de aplicações, captação de incentivos fiscais e patrocínios, receitas sobre direitos autorais, desenvolvimento e licenciamento de marcas, comercialização de produtos e serviços, prestação de serviços, consultoria e assessoria, dentre outras fontes.
Ser uma organização sem fins lucrativos não impede que essas entidades realizem diversas atividades, desde que sejam lícitas, assim como nas empresas. No entanto, essa falta de compreensão sobre o que significa ser uma organização sem fins lucrativos e suas implicações práticas muitas vezes resulta na falta de contratação e remuneração adequada dos profissionais envolvidos, além de limitar as fontes de recursos para subsidiar as finalidades e objetivos estatutários, que são a razão de existir dessas organizações.
Esses conceitos têm implicações práticas e não se tratam de detalhes insignificantes. Já trabalhei com organizações que, devido aos conceitos errados, seus dirigentes eram induzidos a encerrar o ano com a conta zerada, o que as forçava a operar com prejuízo. Bem como as pessoas que achavam que tinham que trabalhar de graça, sempre!
Além disso, é importante destacar que esse debate contribui para que a sociedade compreenda que a profissionalização do terceiro setor e seus impactos sociais positivos não devem ser dissociados da discussão sobre a sustentabilidade financeira dessas organizações, reverberando em todas as potencialidades de receitas e seu uso em conformidade.
Desmistificar o fato de que as organizações sem fins lucrativos são, de fato, negócios, mesmo que não busquem lucros, ajuda a reduzir o número preocupante de pessoas que abrem ONGs/OSCs baseadas apenas no amor e acabam criando passivos trabalhistas e tributários para si mesmas.
Embora as organizações do terceiro setor não busquem lucros para proprietários ou acionistas, ainda precisam ser financeiramente viáveis para cumprir suas missões e objetivos sociais. Isso significa que recursos financeiros são necessários para garantir um trabalho de qualidade e sustentável, assim como acontece (ou deveria) nas empresas.
Portanto, é importante desmistificar a ideia de que as ONGs/OSCs são completamente gratuitas! Essas organizações exigem investimento financeiro e uma gestão profissional dos recursos disponíveis. Compreender o conceito de organização sem fins lucrativos e buscar uma atuação consciente e responsável contribui para fortalecer e garantir a sustentabilidade do terceiro setor.
Legislação citada:
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2014/lei/l13019.htm
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406compilada.htm
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9532.htm